Vinícius de Moraes
A Vida Vivida
Quem sou senão um grande sonho obscuro em face do sonho
Senão uma grande angústia obscura em face da Angústia
Quem sou eu senão a imponderável árvore dentro da noite imóvel
E cujas as presas remontam ao mais triste fundo da terra?
De que venho senão da eterna caminhada de uma sombra
Que se destroí à presença das fortes claridades
Mas em cujo rastro indelével repousa a face do mistério
E cuja forma é a prodigiosa treva informe?
Que destino é o meu senão o de assistir ao meu Destino
Rio que sou em busca do mar que me apavora
Alma que sou clamando o desfalecimento
Carne que sou no âmago inútil da prece?
O que é a mulher em mim senão o Túmulo
O branco marco da minha rota peregrina
Aquela em cujos braços vou caminhando para a morte
Mas em cujos braços somente tenho vida?
O que é o meu Amor, ai de mim! senão a luz impossível
Senão a estrela parada num oceano de melancolia
O que me diz ele senão que é vã toda palavra
Que não repousa no seio trágico do abismo?
O que é o meu Amor? senão o meu desejo iluminado
O meu infinito desejo do ser o que sou acima de mim mesmo
O meu eterno partir na minha vontade enorme de ficar
Peregrino, peregrino de um instante, peregrino de todos os instantes?
A quem respondo senão a ecos, a solução, a lamentos
De vozes que morrem no fundo do meu prazer ou do meu tédio
A quem falo senão a multidões de símbolos errantes
Cuja tragédia efêmera nenhum espírito imagina?
Qual é o meu ideal senão fazer do céu poderoso a Língua
Da nuvem a Palavra imortal cheia de segredo
E do fundo do inferno delirantemente proclamá-los
Em Poesia que se derrame como sol ou como chuva?
O que é meu ideal senão o Supremo Impossível
Aquele que é, só ele, o meu cuidado e meu anelo
O que é ele em mim senão o meu desejo de encontrá-lo
E o encontrado, o meu medo de não o reconhecer?
O que sou eu senão Ele, o Deus em sofrimento
O tremor imperceptível na voz portentosa do vento
O bater insensível de um coração no descampado...
O que sou eu senão Eu Mesmo em face de mim?
Soneto da Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tanto zelo, e sempre e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encanta mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure